Se você não está em dúvida

por Giba Assis Brasil
em 23 de fevereiro de 2013

[JORGE FURTADO 21/02/2013 17:55] Oi Giba. Muitas vezes eu já citei a frase “Se você não está em dúvida é porque foi mal informado” como se fosse do Pasquim. Nunca descobri o autor, imaginei que fosse do Millor ou do Ivan Lessa, agora os dois morreram. Acho que li no Pasquim, mas não sei se não foi uma daquelas minhas citações inventadas, uma frase boa que se atribui a outro para dar peso. Fui pesquisar na internet e só achei a frase sem fonte ou a fonte sou eu. Sabe de onde veio isso? abraço Jorge «

Procurando pela frase no Google, uma fonte que se repete é o teu texto “Poder e política”, publicada aqui mesmo no blog da Casa em 22/08/2010. Na décima das tuas “onze regras de boas-maneiras para debater política (seriamente) na blogosfera (ou em qualquer outro lugar)”, está fixada a citação:

“Se você não está em dúvida é porque foi mal informado” (do jornal “O Pasquim”).

Este texto aparece copiado integralmente em pelo menos 10 blogs (Observatório da Imprensa, Luis Nassif, Cultura e Política Ceará, Contos urbanos 140, etc.), inclusive o de um sujeito chamado Daniel Monteiro, que esqueceu de colocar o teu nome, ou de dizer de onde tinha tirado aquilo.

Poucos meses depois (dezembro de 2010), num debate no Tribunal de Contas do Estado com a Cláudia Laitano, tu voltaste a citar a frase, e isso ficou registrado no portal do TCE Tribunal de Contas do Estado: “Jorge Furtado iniciou em um tom descontraído dizendo que iria dividir suas ignorâncias e dúvidas e citou uma frase do Pasquim (…)”

Mas antes, outro texto teu aqui no blog (“Que capangas?”, 26/04/2009) tinha mencionado a frase num contexto parecido. E bem antes, no teu texto pro Não, em junho de 1999, “O reino das palavras entre aspas”, tu já tinha citado a frase como sendo do Pasquim, e acrescentado entre parênteses uma suposição: “Deve ser do Millôr”.

Ou seja: tenha vindo ou não do Pasquim, ou do Millôr, no momento o grande divulgador desta frase (e da ideia por trás dela) na internet é tu mesmo, Jorge Furtado. Quase todas as 36 referências existentes no Google apontam pra isso.

Uma exceção é René Paula Junior, pesquisador da Microsoft no Brasil, que, entrevistado na revista da Febraban em outubro de 2009, diz ter lido uma versão levemente modificada pichada num muro: “Se você não está em dúvida, está muito mal informado”.

E também pode ser que a frase tenha sido traduzida. Procurei em espanhol (“si usted no está en duda”), francês (“si vous n’êtes pas dans le doute”), alemão (“wenn Sie sich nicht im Zweifel”), italiano (“se non si è in dubbio”) e nada. Antes, claro, tinha procurado em inglês, e encontrado um texto parecido: “if you’re not in doubt, ask yourself if you should be”, que é outra coisa - tem a ver com autoquestionamento, mas não com informação. A grande sacada aqui não é o “só sei que nada sei” socrático, mas um aparente paradoxo sobre a verdadeira natureza do jornalismo (e, eu acrescentaria, do ensino): semear dúvidas, mais do que certezas.

Bom, eu não lembro de ter lido essa frase no Pasquim. A primeira vez que ouvi falar nisso foi no polígrafo de roteiro que tu escreveste pro nosso curso “Introdução ao fazer cinema”, em maio de 1989. (Tu ainda tem esse texto? Eu tenho.) Na época ainda não existia Google, e eu adotei a citação como correta: a frase é “do Pasquim”.

Sabemos que jornais não costumam criar frases, ao contrário dos jornalistas. Mas consigo imaginar uma tarde na redação da rua Clarisse Índio do Brasil, em que alguém diz uma coisa, outro diz outra, e de repente a frase se completa e eles resolvem colocar com destaque na próxima edição (na capa? numa manchete? num canto de página?), e depois ninguém lembra mais de quem foi a ideia inicial ou a final. Ou seja: a frase seria coletiva, da redação do Pasquim. Pra mim, faz sentido.

Mas a questão é: o Pasquim realmente publicou esta frase? Esta deveria ser a primeira pesquisa. Mas não é fácil: o acervo do Pasquim não está na Biblioteca Nacional, nem no Google Periódicos, certamente por causa dos direitos autorais. Em 2006 o sítio “Memória viva” anunciou que iria digitalizar uma coleção completa, mas até hoje só colocou no ar meia dúzia de capas. Por enquanto, o jeito seria pesquisar em papel, página por página: na antologia publicada pela editora Desiderata, em 3 volumes (2006, 2007, 2009) ou nos acervos completos do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, no Arquivo Público do Estado de São Paulo, etc. Mas quem tem tempo pra isso?

Quando eu comecei a dar aulas de roteiro na UFRGS, em 1994, coloquei a frase num polígrafo sobre “erros de roteiro”, que eu distribuía pros alunos em papel, misturando as metodologias do Chion e do Vale, com alguns acréscimos pessoais (especialmente a divisão em 4 categorias: “erros de escrita”, “erros de escritura”, “erros de argumento” e “erros de roteiro propriamente ditos”).

Em 2003, na Unisinos, eu distribuí o mesmo (ou quase o mesmo) polígrafo, mas em versão digital - e é claro que ele terminou caindo na rede. A partir daí, ele foi copiado e colado por um monte de gente, incluindo os caras do ZAP!HQ, que tiveram a cara de pau de copiar o polígrafo inteiro sem mencionar a fonte.

Ou seja: por enquanto, eu e tu (tu em primeiro lugar) somos os maiores responsáveis por esta citação estar na rede. Se um dia a gente descobrir que a frase original era em polonês ou em latim, o estrago já vai estar fora de controle. Se bem que a memória do Pasquim merece esta e muitas outras citações, precisas ou não.

[JORGE FURTADO 22/02/2013 09:01] Acho que o mínimo a fazer é publicar estes e-mails no blog. Assim, zeramos a reza. Tua ótima divisão dos erros de roteiro fica registrada. E passo a usar frase sem aspas, até que alguém reclame. «

Então tá publicado (com alguns acreścimos à minha mensagem de ontem). Mas será que tá zerado?


COMENTÁRIOS

Enviado por Gerbase em 21 de abril de 2013.

Giba, a frase original é do Millor, mas não sei se foi publicada no Pasquim. Talvez tenha aparecido na Veja, o que seria mais uma prova da genialidade do Millor. O Jorge fez uma versão. Ou não?

http://pensador.uol.com.br/frase/OTk1NDY1/

http://frases.art.br/millor-fernandes

http://www.allthelikes.com/quotes.php?quoteId=4866981&app=219671

http://www.terra.com.br/istoedinheiro-temp/reportagens/academia_invade_a...

Enviado por Mário Furtado Fontanive em 15 de maio de 2013.

Lembro de ler a frase no Pasquim em uma república em Ouro Preto e, pelo que me recordo, era do Tarso de Castro. Mas era carnaval, posso estar enganado…

Enviado por Jorge Furtado em 02 de julho de 2013.

Achei uma bisavo desta frase:

Dubitando ad veritatem parveminus. (Cicero, De Officiis).

Duvidando chegamos à verdade.

Enviado por Guilherme em 03 de setembro de 2014.

ótimo texto, lembro da tua aula sobre erros de roteiro, sempre uso quando dou aula de roteiro, e te cito, claro. Abraço

Enviado por Giba Assis Brasil em 03 de setembro de 2014.

Ó, taí o cara que não me deixa mentir sozinho. Valeu, Guilherme.

Enviado por Jorge em 08 de julho de 2016.

Do livro “Imageria: o nascimento das histórias em quadrinhos, de Rogério Campos (ed. Veneta, 2015). “Se você não está confuso, é porque está mal informado”. (slogan da revista General, com a permissão de Ivan Lessa.) E agora?

Enviado por Giba Assis Brasil em 10 de julho de 2016.

Na verdade, nada de (muito) novo. A revista General teve 16 edições, que circularam entre 1993 e 1994 - portanto, alguns anos depois do nosso polígrafo de 1989, e décadas depois do carnaval que o Mário passou em Ouro Preto. Os editores de “General” eram o André Forastieri e o próprio Rogério de Campos, autor do “Imageria” que tu acabaste de citar. Se eles colocaram aquela frase como slogan “com a permissão de Ivan Lessa”, então é porque ela realmente veio do Pasquim - no caso, de alguma edição da coluna “Gip Gip Nheco Nheco”, assinada pelo filho do Orígenes e da Elsie? Por outro lado, se o próprio Rogério, num livro publicado ano passado, menciona essa “permissão”, isso significa que a permissão realmente aconteceu (por escrito? duvido!) ou ele está simplesmente reconhecendo que a frase não era original e, segundo um rápido e não concludente Google, provavelmente vem de lá, de onde mais se espera? Por mim, a questão segue em aberto, cada vez mais.

Enviado por Rogério de Campos em 29 de outubro de 2017.

Na verdade, inventei a frase como slogan da General e, na época, fiquei muito orgulhoso da minha originalidade, hahaha. Mas alguém me avisou que ela já tinha sido dita antes pelo Ivan Lessa. Pedi, através de um amigo que era colega de trabalho do Ivan Lessa na BBC, permissão para usar a frase como slogan da revista e o Ivan Lessa disse que tudo bem. Foi isso.

Enviado por Giba Assis Brasil em 04 de novembro de 2017.

Obrigado pelo esclarecimento, Rogério.