Salve Papa Jorge

por Jorge Furtado
em 16 de março de 2013

Em ano de Ogum, dou meu salve ao Papa Jorge, o primeiro.

Primeira impressão: cara melhor que a do outro, o Darth Vader que foi a África aconselhar aos pobres infectados pela aids que não usassem camisinha. Este parece um pouco o Stan Laurel, o que é um bom sinal.

Segunda impressão: ótima escolha do nome, Francisco Primeiro. Importante por ser Francisco e importante por ser o primeiro. Religiosos que olhem mais para os pobres, mais para os valores da alma que para a senha do cartão do banco dos fiéis farão muito bem ao mundo. “É dando que se recebe” virou sinônimo de roubalheira, ninguém mais lembra que é uma frase da Oração de São Francisco, uma das mais belas da religião católica. Espero que o Papa Francisco guie sua igreja pelos seus preceitos.

Senhor: fazei de mim um instrumento de vossa Paz.
Onde houver Ódio, que eu leve o Amor,
Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão.
Onde houver Discórdia, que eu leve a União.
Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé.
Onde houver Erro, que eu leve a Verdade.
Onde houver Desespero, que eu leve a Esperança.
Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria.
Onde houver Trevas, que eu leve a Luz!
Ó Mestre,
fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando, que se recebe.
Perdoando, que se é perdoado e
é morrendo, que se vive para a vida eterna.

Ódio por aqui é o que não falta. Por exemplo, contra os homossexuais. Pense comigo, cá entre nós: o que é que a igreja (ou o estado, ou quem quer que seja) tem a ver com o tesão dos outros? Como disse o Jorge Mautner Primeiro (e único), “tanto faz gostar de coelho ou de coelha”. O que a igreja (ou o estado, ou quem quer que seja) tem a ver com isso?

Ofensa então, é o dia inteiro, toneladas por segundo, em sites, blogs, faces, tuíters e tais. Discórdia, erro, desespero, trevas, tem de rodo. Da tristeza e das dúvidas eu não me queixo.

O primeiro gaúcho (o primeiro a tomar um mate por gosto e não só para tirar foto), o primeiro latino americano, o primeiro Francisco, o primeiro jesuíta. Tantas novidades num só Papa parecem um bom sinal.

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Atualizado em 17.03.13

Entrevista com Leonardo Boff sobre o Papa Francisco I.

PAPA SURPREENDERÁ COM REVIRAVOLTA NA IGREJA, DIZ LEONARDO BOFF

O ex-sacerdote brasileiro Leonardo Boff, um dos mais destacados representantes da chamada Teologia da Libertação, acredita que o papa Francisco surpreenderá muitos dando um reviravolta radical à Igreja.

“Agora é Papa e pode fazer o que quiser. Muitos se surpreenderão com o que Francisco fará. Para isso, precisará de uma ruptura com as tradições, deixar para trás a Cúria corrupta do Vaticano para abrir passagem para uma Igreja universal”, disse Boff em entrevista que será publicada na edição da próxima semana da revista alemã Der Spiegel.

O teólogo se disse muito satisfeito que o novo Papa, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, tenha assumido o nome de Francisco para seu pontificado. “Este nome é programático: Francisco de Assis representa uma Igreja dos pobres e dos oprimidos, responsabilidade perante o meio ambiente e rejeição ao luxo e a ostentação”, acrescentou Boff, que pertence à Ordem dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos.

O estudioso disse também que, embora em muitos aspectos - como o referente aos anticoncepcionais, o celibato e o homossexualismo - Francisco tenha seguido uma linha conservadora como cardeal, isso se deveu apenas à pressão do Vaticano. Para ele, há elementos que indicam que o novo Pontífice é muito mais liberal.

Há alguns meses, por exemplo, ele aprovou expressamente que um casal de homossexuais adotasse uma criança. Tem contato com sacerdotes que foram repudiados pela Igreja oficial por terem se casado. E, o mais importante, é que não se deixou separar de sua convicção que temos que estar do lado dos pobres”, destacou.

Boff rejeita também as acusações que surgiram contra Francisco segundo as quais não deu suficiente apoio a dois jesuítas que foram presos durante a ditadura militar argentina.

“Conheço as acusações e acredito no que diz o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, que como opositor ao regime militar esteve preso e foi torturado. Houve bispos que foram cúmplices da ditadura, mas Bergoglio não estava entre eles”, opinou. “Até agora, não há indícios claros de um comportamento censurável. Pelo contrário, ele escondeu e salvou muitos sacerdotes perseguidos. Conheci Orlando Yorio, um dos jesuítas que dizem terem sido traídos por Bergoglio, e nunca fez a mim tais acusações”, completou.

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Atualizado em 17.03.13

Texto de Caetano Veloso, publicado em seu blog.

UM POUCO DE SENSATEZ

Felizmente a ministra Marta Suplicy recuou da decisão de incluir as TVs a cabo no rol dos produtores de cultura beneficiados por mecanismos do ministério. O artigo de Cacá Diegeues na semana passada deixava claro o absurdo que seria a aplicação da nova norma. TVs a cabo fazem dinheiro grande, são dinheiro grande, e nem traduzem os títulos ingleses das séries, quase todas americanas, que apresentam. Um ministério que deseje incentivar a criação cultural no Brasil não tem por que incluí-las em seus programas de incentivo.

Será crível que Marco Feliciano tenha sido escolhido presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias? Na explicação que ele ofereceu aos fiéis da sua igreja, a África é citada várias vezes como “essse país”, o que mostra ignorância a respeito do assunto que tratou com tanta veemência. Nitidamente ele vê a África como um todo unitário. Bem, a maldição dos que, miticamente, foram popular a África já foi usada antes pelos racistas de vários lugares para justificar a escravidão. Feliciano a usa, sem cuidado, para explicar Idi Amin, a Aids, as faminas etc. Uma autoridade responsável por uma comissão de direitos humanos não pode basear suas falas e atitudes em dogmas religiosos. Menos ainda se ele demonstra simplismo grosseiro na interpretação destes.

É difícil admitir que presida uma comissão que supostamente protege as minorias um homem que grita, irado, que se os homossexuais querem fazer “suas porcarias”, que as façam escondidos dentro de seus quartos, em suas casas, nunca se beijando em locais onde suas filhas possam ver “dois homens barbados, de pernas raspadas, aos beijos”. O pleito de casamento gay é um pleito de minoria representada que deve ser estudado por comissões parlamentares que tratem do assunto com calma, lucidez e isenção. Você pode seguir uma fé que determina que os atos homoafetivos são pecado (na verdade, são O PECADÃO, como observou alguém que meditou sobre o assunto, já que é um pecado que, dentre todos, costumava despertar a ira até dos incréus, sendo incomparável com o falso testemunho, a gula ou mesmo a atividade sexual livre entre pessoas de sexos opostos), mas essa maldição religiosa lançada sobre um tema não pode entrar aos berros num grêmio de legisladores que deveria acompanhar o movimento da sociedade auscultando suas forças e tendências. Há religiosos e ateus que odeiam atos homoafetivos e consideram os africanos uns amaldiçoados, mas isso não representa o movimento da sociedade como um todo. As pesquisas na maioria dos países do Ocidente (inclusive o Brasil) não dizem isso. E, mais importante, para além do aspecto democrático dessas auscultações, há de haver princípios de direitos inegociáveis, como é o direito de igualdade de respeito e de oportunidades. É simplesmente grotesco que um religioso que fala em tom tão fanático se eleja presidente de uma comissão que deveria proteger os que têm carência de respeitabilidade e de oportunidades.

Espero que a menção feita por Marina Silva, a quem tanto admiro, à troca “de um preconceito pelo outro”, no caso da discussão sobre a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, não signifique que opor-se à escolha de Feliciano, nos termos em que o faço, é uma mera troca de preconceitos. Contra quê, aliás, seriam os preconceitos de quem discute a escolha? Contra evangélicos? Contra pastores? Contra religiosos em geral? Sim, sem dúvida há. Vejo em filmes e piadas de TV, em conversas e em textos publicados, intolerância contra a vitalidade com que as igrejas neopentecostais se impõem no Brasil. A hipocrisia dos pregadores, a ganância de dinheiro, enfim, tudo o que se pode apontar em toda organização religiosa é quase sempre o aspecto ressaltado. Mas eu nunca me identifiquei com essa atitude. Vejo o crescimento das igrejas evangélicas como uma forma de progresso no nosso caminho para onde devemos ir. Não admiti nunca as campanhas anticandomblé que elas alardeavam. Mas isso serenou. Religião é assunto imenso. Leio Mangabeira. Penso. Acompanho pessoas íntimas que são profundamente religiosas. Umas católicas, outras evangélicas e ainda outras espíritas ou candomblezeiras. Eu próprio não sigo religião. Mas, mesmo que seguisse, teria de entender que Comissão de Direitos Humanos deve tratar dos temas pertinentes de modo não sectário.

Será que o Brasil, além do mini-PIB, terá que passar agora por papagaiadas como essas? São muitas maluquices que podem atrasar nossa caminhada. Ao contrário do que diz Feliciano, o continente africano está se erguendo. O Brasil, tão cheio de promessas desde sempre, será que vai ficar entalado?

Pelo menos Marta viu a luz.

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Concordo com quase tudo que o Caetano escreveu.

A presença deste pastor picareta na presidência da comissão de direitos humanos é uma agressão à sociedade brasileira, que majoritaramente não aceita preconceitos.

E se você acha que a vítima de preconceito é o pastor picareta, veja o vídeo onde ele achaca seus fiéis.

https://youtu.be/BwQ48rPCTFg

Também concordo com o Caetano quando diz que a Marta agiu bem ao não incluir as tevês a cabo no vale cultura, pelo menos no momento. O comprometimento integral do benefício numa assinatura de tv a cabo desvirtuaria a finalidade do projeto, acho. Mas também acho que se vingarem as leis que obrigam as tevês a cabo a exibir conteúdo nacional elas passarão a ser também instrumentos de produção de cultura.

Talvez seja possível, num futuro próximo, usar o vale cultura para comprar pacotes específicos da programação. Por enquanto, melhor deixar a tevê fora disso.

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Sobre a Oração de Francisco de Assis:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Oração_de_São_Francisco_de_Assis