Jornalismo e torcida

por Jorge Furtado
em 05 de julho de 2014

Fico sabendo, pelo Estadão, que só os bares vão faturar 12 bilhões na Copa. Os hotéis e as companhias de turismo também vão lucrar bastante, mas esperavam e estavam preparados para receber mais gente. Imagino que seja difícil calcular quanto o Brasil perdeu, em dinheiro, com a campanha sistemática que a antiga imprensa fez contra a Copa. Quantos turistas deixaram de vir ao país com medo do caos nos aeroportos, da violência e dos protestos tomando as ruas, dos estádios inacabados, do vexame que mostraria ao mundo nossa incompetência? Quantos anunciantes deixaram de investir com medo de associar seu produto a um evento que nos traria vergonha?

A manobra, tardia e oportunista, de dar um cavalo de pau na cobertura negativa e tentar faturar algum com a festa, foi seguida de uma constrangedora tentativa de culpar a imprensa estrangeira pela imagem negativa do Brasil. De onde será que eles, estes malvados estrangeiros, tiraram a ideia de que a Copa seria um fiasco?

Uma dúvida: a antiga imprensa - com as honrosas exceções de sempre - errou tanto e de forma tão clamorosa porque:

  • torcia para que o vexame acontecesse, já que assumiu o papel de partido de oposição e apostou todas as suas fichas no fracasso da Copa, que seria ruim para a Dilma.
  • não tem a menor ideia do que está acontecendo no Brasil real, já que só lê, escuta e comenta a si mesma, e acreditou em suas próprias previsões de que a Copa seria um fracasso.
  • adora falar mal de tudo, raramente reconhecendo seus próprios erros.
  • todas as alternativas estão corretas.

Ao creditar, por antecipação, um possível fracasso da Copa ao governo Dilma, a oposição e sua imprensa apostaram alto. Na hipótese da Copa não ser um fracasso ou, pior, ao contrário, ser um grande sucesso, este sucesso seria logicamente creditado também ao governo Dilma. A oposição e sua imprensa jogaram tudo no par. Deu ímpar. Quem foi atrás, perdeu uma grande Copa. E uma boa grana.

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Aumentou ou diminuiu?

Quem ainda não tinha entendido entendeu agora, na Copa, que a antiga imprensa brasileira costuma misturar seus desejos - no caso, de que a Copa desse errado - com aquilo que deveria ser o exercício da profissão de jornalismo: a busca da verdade factual para, a partir dela, informar o leitor e a sociedade. ( Que inclui investidores, turistas, comerciantes, etc.)

Passada a Copa, as primeiras páginas voltam a ser ocupadas pela política, terreno em que os desejos são muito mais subjetivos do que no esporte, onde a bola entrou ou não entrou, raramente há controvérsias a respeito. Na política, só há controvérsias, são raras as informações totalmente objetivas, mesmo os números do PIB ou da inflação são contestados e relativizados.

Em política, as pesquisas eleitorais são tratadas como um raro exemplo de “dado objetivo”, embora sejam exatamente o retrato de uma subjetividade, a opinião, colhida num momento específico e com critérios técnicos, de um grupo de pessoas que representa o conjunto dos eleitores. Os números das pesquisas ocupam as primeiras páginas dos jornais, são tratados como fatos, sobre os quais os candidatos fazem suas estratégias de campanha e os analistas políticos gastam horas de análise.

Pois hoje, dada a extrema partidarização da imprensa, mesmo sobre estes “fatos concretos”, os números das pesquisas, é preciso que o leitor vá a luta e procure mais de uma fonte para saber a verdade mais simples, aritmética.

Segundo alguns jornalistas (Josias de Souza, na Folha, Merval Pereira, em O Globo, etc.), a última pesquisa Datafolha sugere que aumentou a chance de haver segundo turno. Segundo eles, na pesquisa anterior do Datafolha, Dilma tinha 34% contra 32% da soma de seus adversários. Dilma portanto ganhava no primeiro turno, por 2 por cento. Agora ela tem 38%, o mesmo que a soma de seus adversários, há um empate. O candidato Aécio Neves comemorou o resultado.

Já segundo o jornalista Fernando Rodrigues, da Folha, a última pesquisa Datafolha indica que diminuiu a chance de haver segundo turno. De acordo com Fernando, a pesquisa anterior mostrava Dilma com 34% contra 35% da soma dos seus adversários, ela perdia por 1%, agora há um empate, quem deve comemorar o resultado é Dilma.

Basta conferir rapidamente os números do Datafolha para ver que Fernando está certo, parece que o pessoal, na pressa de fechar a conta, esqueceu de somar 3% de candidatos que pontuaram na pesquisa anterior e não vão mais concorrer.

A variação, dentro da margem de erro, só tem relevância para demonstrar o quanto a imprensa brasileira, em sua torcida, ignora e distorce até mesmo a mais simples aritmética.

(Alguns blogs e revistas chegam a comparar os números da pesquisa Datafolha com os números da última pesquisa Ibope, mas estes já desistiram de fazer jornalismo faz tempo.)

Esperamos (sentados, vendo os jogos da Copa) que os jornalistas que erraram os números do Datafolha corrijam seu erro.

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No Estadão

COPA DO MUNDO RENDE 12 BILHÕES AOS BARES EM JUNHO.

Com a bola rolando e sem o registro de grandes manifestações e protestos violentos, os bares comemoram o movimento que a Copa do Mundo levou aos estabelecimentos. Diante da demanda acima das expectativas, o segmento deve faturar R$ 12 bilhões no mês do Mundial de futebol, segundo previsão da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

(…)

Na hotelaria, o dinheiro despejado pelos turistas pode salvar o setor em um ano de provável estagnação ou até queda de faturamento. O evento deve injetar R$ 650 milhões no setor, “prevemos crescimento de 6% a 75, revela o presidente da Associação Brasileira de Indústria de Hotéis (ABIH) Enrico Fermi. Apesar disso, a CVC, maior empresa do setor de viagens, afirma que a vinda de 600 mil estrangeiros estimada inicialmente não deve se concretizar”.

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Josias de Souza, na Folha

Sobe daqui, oscila dali o essencial é o seguinte: há um mês, Dilma tinha 34% contra 32% de todos os seus rivais somados. Agora, há um empate: Dilma 38% X 38% rivais de Dilma. Ou seja: mesmo sob o clima da Copa, cresceu a chance de a partida ser prorrogada para o segundo turno.

http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2014/07/03/eleitor-esta-bocejando-e-andando-para-a-eleicao/

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Merval Pereira, O Globo

O momento captado pela pesquisa Datafolha divulgada ontem é bom para a presidente Dilma, que subiu quatro pontos percentuais e manteve a liderança na corrida presidencial. Mas a situação prospectiva é ruim: há um mês, Dilma tinha 34% contra 32% de todos os seus rivais somados. Agora, há um empate: 38% a 38%. Se o primeiro resultado já previa a realização de um segundo turno, este mais recente confirma a tendência, com a anulação da diferença a favor de Dilma.

http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2014/07/04/momento-bom-541557.asp

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Dilma tem 38; Aécio 20% e Campos 9%, no Datafolha

(…) No mês passado, a soma de todos os concorrentes de Dilma alcançava 32%, ante 34% da presidente. Agora, Dilma empata com os opositores, com 38% contra 38%.

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-tem-38-aecio-20-e-campos-9-no-datafolha,1522783

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Aécio comemora Datafolha e vê garantia de segundo turno

Candidato do PSDB à Presidência, o senador Aécio Neves comemorou, no Rio de Janeiro, o resultado da última pesquisa Datafolha, feita nos dias 1º e 2 de julho e divulgada nesta quinta-feira. (…) “A diminuição dos votos brancos e nulos asseguram o segundo turno. Dá uma grande segurança de que poderemos estar no segundo turno. Essa pesquisa foi muito positiva para a oposição”, afirmou, após uma reunião para conclusão das diretrizes do plano de seu plano de governo.

http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/aecio-comemora-datafolha-e-ve-garantia-de-segundo-turno

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Fernando Rodrigues, na Folha

Segundo turno ainda é possível, mas Dilma melhora posição
Fernando Rodrigues 03/07/2014 09:12

Continua a existir uma probabilidade real de ser necessário um segundo turno na disputa presidencial de 2014, mas Dilma Rousseff (PT) reduziu um pouco essa margem. (…) Há um mês, todos os candidatos de oposição somados tinham 35% contra 34% de Dilma, segundo o Datafolha. Ou seja, tinham 1 ponto percentual a mais do que a petista -havia, portanto, uma chance razoável de ser preciso um segundo turno.

Hoje, todos os nomes de oposição juntos chegam a 38%. Ocorre que Dilma também foi a 38%. Não há mais diferença entre a presidente e seus adversários. Há um empate absoluto.

Como a margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, há ainda chance de ser necessário um segundo turno hoje, mas esse cenário ficou um pouco menos provável na pesquisa Datafolha deste início de julho de 2014.

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Atualizado:

Uma vantagem da Folha sobre os outros jornais é a existência do Ombudsman. A Ombudsman Vera Guimaraes, na coluna de hoje, registrou o erro da Folha:

NÃO É SÓ PELOS TRÊS PONTOS

Ninguém gosta de errar, e admitir publicamente os erros é um embaraço a que muito poucos veículos se submetem. A Folha é uma dessas exceções, ao manter uma seção fixa para corrigir dados publicados.

Em alguns casos, porém, registrar a correção no lugar de costume não basta. É preciso sanar o problema com presteza no site, antes que ele se propague e, às vezes, republicar a matéria no impresso.

Faltaram as duas providências em relação à reportagem da última pesquisa do Datafolha, publicada na quinta (3) com o título “Dilma lidera, mas com margem menor”.

Na sexta, a seção “Erramos” registrou que a soma das intenções de voto dos concorrentes da presidente em junho atingia 35%, e não 32%, como havia sido divulgado na véspera. A diferença altera substancialmente o conteúdo publicado.

Se a petista tinha então 34% e os rivais 35%, não se poderia ter dito que sua margem de liderança ficou mais estreita quando ambos empataram em 38%, como afirmava o lide, nem que a possibilidade de segundo turno parecia maior neste momento, como concluía o texto. Mais: os adversários conquistaram três pontos, não seis.

A Secretaria de Redação considera que não houve alteração no quadro eleitoral que justificasse a publicação de uma reportagem. “Em todos os cenários, no certo e no errado, a distância entre Dilma e os adversários está dentro da margem de erro de dois pontos e indica que a disputa presidencial será decidida no segundo turno.”

É verdade, mas as pesquisas do Datafolha são fonte de informação de importância capital não só para leitores, mas para uma infinidade de profissionais cujo desempenho depende do rigor dos números –sem falar da obrigação jornalística de ser preciso.

Na sexta, o erro aparecia replicado em colunas políticas dos jornais concorrentes e persistia em um trecho de reportagem do site da própria Folha. Para fazer o certo, nesse caso, era preciso ter feito mais.

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Observação:

Mesmo quando se corrige, a Folha teima em não admitir integralmente seu erro.

A Secretaria de Redação da Folha afirma que “Em todos os cenários, no certo e no errado, a distância entre Dilma e os adversários está dentro da margem de erro de dois pontos e indica que a disputa presidencial será decidida no segundo turno.”

Não é verdade.

O empate, dentro da margem de erro, indica que a ocorrência ou não de segundo turno será decidida por estreita margem, se mantidas as atuais intenções de voto. A afirmação de que a pesquisa “indica que a disputa será decidida no segundo turno” não é jornalismo, é torcida.

E mais: dentro da margem de erro, a pesquisa do Datafolha indica que a hipótese de haver segundo turno diminuiu, e não aumentou, como afirmaram as matérias da Folha.