Ainda existe esquerda e direita?

por Jorge Furtado
em 06 de setembro de 2014

Não lembro quem disse, com alguma razão, que esta pergunta é sempre feita por pessoas de direita. Isto, talvez, porque a direita nasceu e sempre esteve mais perto do rei, do poder, da riqueza, e é conveniente não alardear muito esta posição privilegiada, melhor espalhar a notícia de que todo mundo pode ser de elite, não importa o endereço ou o saldo bancário. Direita e esquerda são posições relativas, vista do mar Ipanema está à esquerda de Copacabana e à direita do Leblon. Num determinado momento histórico ser de esquerda era lutar contra o trabalho de crianças em minas de carvão e o direito ao descanso depois de seis dias de trabalho, noutro era lutar pela volta da democracia e o fim da censura, noutro pelo direito de greve ou pelos direitos das minorias, noutro pela regulação que o estado, democraticamente eleito pelo povo, deve fazer do mercado, hereditário e eleito por si mesmo.

Hoje, Dilma e Lula defendem o fortalecimento dos bancos públicos, que fazem grandes investimentos sociais a juros mais baixos (por exemplo, na construção de casas populares), enquanto os grandes bancos privados querem liberdade para seus lucros e nisso são apoiados por Marina. Dilma e Lula querem garantir que as políticas econômicas sejam usadas segundo critérios sociais (geração de emprego, distribuição de renda), enquanto Marina quer dar autonomia ao Banco Central, para a felicidade do mercado financeiro. Dilma e Lula defendem o uso social, pela Petrobrás, dos lucros crescentes do pré-sal, ao contrário de Marina, que não dá prioridade à exploração destas reservas, e das grandes petroleiras americanas, que querem a volta do antigo e lucrativo sistema de concessão. Dilma e Lula, em seus governos e em seu programa, defendem a criação de empregos com investimentos públicos, ao contrário de Marina e do capital rentista, que buscam o centro da meta da inflação a qualquer custo, inclusive o provável custo social do desemprego.

Hoje, Dilma e Lula estão à esquerda de Marina, não é à toa sua candidatura cresce tirando votos especialmente de Aécio Neves, representante da direita autêntica (PSDB, DEM, PTB). Marina, sem base parlamentar, diz que pretende governar “com os bons”, acima dos partidos, “com a força das ruas”, como declarou seu vice. No Brasil, candidatos sem base parlamentar, pregando contra a corrupção e por uma “nova política”, querendo governar com “a força das ruas” não são uma novidade, Jânio e Collor se elegeram com o mesmo discurso. O problema é que a tal força das ruas dura só alguns meses, enquanto “as ruas” acreditam que mudar “tudo isso que está aí” depende apenas da boa vontade do novo governante que, além de tudo, é sustentado pelo grande capital e exatamente por “tudo isso que está aí”.

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Falta um mês para as eleições. Vamos debater o futuro do país ou, mais uma vez, a conversa de um bandido?

O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa está preso, acusado de participar de um esquema de corrupção que lhe rendeu, em contas no exterior, mais de 20 milhões de dólares. Quando ele foi preso, a Polícia Federal encontrou com em sua casa 180 mil dólares e 720 mil reais, em dinheiro, e um carro importado que ganhou de presente do doleiro Alberto Yousseff, também preso. Para aliviar sua pena e sem apresentar até agora nenhuma prova, Costa fez uma lista com nomes de supostos benificiados num esquema de corrupção.

A lista, segundo vazamento seletivo para alguns jornais e revistas, incluiria deputados, senadores e governadores de vários partidos, um deles já falecido, além de grandes construtoras que, segundo ele, seriam a fonte do dinheiro. A denúncia surge nos canais de sempre e com o alarido de sempre, às vésperas da eleição presidencial. A imprensa, mais uma vez, divulga acusações graves sobre a honra de várias pessoas (uma delas já falecida e sem chance de se defender), sem nenhuma prova, baseada apenas nas palavras de um corrupto. A apuração criteriosa destas denúncias vai levar muito tempo, só saberemos o que ela tem de real - se é que um dia saberemos o que ela tem de real - muito tempo depois das eleições.

Nos últimos 12 anos, desde que uma certa elite perdeu o poder em Brasília, o país vem sendo periodicamente pautado, com a cumplicidade de uma parcela significativa da mídia, pela conversa de bandidos, alguns réus confessos, outros com longa ficha policial, que ganham seus minutos de fama para falar mal da política e dos políticos.

Incapazes de retomar, no voto, o poder que perderam, apelam para a desqualificação geral da política. É evidente que os roubos, os corruptos e os corruptores, devem ser denunciados, combatidos, julgados e, se culpados, presos. Mas a explosão, mais uma vez, de um escândalo na véspera de uma eleição, é uma expediente gasto de quem parece não ter projetos defensáveis para o futuro do país.

Resta ao leitor, e ao eleitor, decidir se vai cair outra vez neste velho truque ou, pensando no seu próprio futuro, examinar propostas de governo.

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Cinco razões para dar risadas
por Paulo Moreira Leite

Num país onde os bons humoristas se aposentaram, mudaram de profissão ou foram desta para melhor, imagino que os banqueiros não devem lembrar-se de nenhum momento mais adequado par dar boas gargalhadas de felicidade como a campanha de 2014.

Vejo cinco razões principais.

A primeira é que Marina Silva, sua candidata a presidente, está em boa posição nas pesquisas eleitorais e tem boas chances de vencer a eleição num país que hospeda a 7a. maior economia do planeta. Só isso já seria um motivo de alegria, considerando que nos últimos 12 anos o país atravessou o mais amplo programa de distribuição de renda de sua história e as taxas de juros, ainda que estejam em patamares convenientes para o rentismo, se encontram no patamar mais baixo em duas décadas.

Depois de refugar um pouco, a candidata já disse que apoia a autonomia do Banco Central, uma barbaridade do Estado mínimo que saiu de moda depois de 2008, quando a maior crise em 80 anos mostrou que o emprego do cidadão comum e o futuro das famílias são questões sérias demais para ficar nas mãos dos banqueiros.

A segunda razão é que ninguém percebeu qual é o verdadeiro plano da candidata para os bancos brasileiros. Quem chegar a pagina 61 do programa de Marina Silva vai descobrir. Claro que ela fala em reduzir impostos e prometer outras facilidades há muito reclamadas por aquele pessoal que, no início dos século passado, usava fraque e cartola para ir ao trabalho. Mas isso não é o principal. Ela quer acabar com o crédito direcionado, em nome, claro, da necessidade de livrar a economia de entraves burocráticos que ninguém sabe para que servem mas condena mesmo assim porque é bonito falar essas coisas.

Crédito direcionado é aquela parte dos depósitos bancários que deve ter uma finalidade social. Não podem ser emprestados pela máxima taxa de juros que o banco conseguir arrancar de seu cliente. Deve ser oferecido a juro mais barato e ser empregado para investimentos de reconhecido valor para a sociedade. Por exemplo: 65% dos recursos da poupança não podem ser gastos à vontade pelo banco, mas usados para o crédito imobiliário. Com o fim do credito direcionado, chegamos ao regime de farra total. É por isso que a turma não pára de rir. Só para você ter uma ideia. Em 2008, quando a crise mundial explodiu, nosso crédito direcionado atingia a módica quantia de 1,8% do PIB. Em 2013, o volume era de 8,2% do PIB. O que se passou entre um número e outro foi o Minha Casa Minha Vida que, neste período, entregou e contratou perto de 3,5 milhões de casas para a população de baixa renda.

O quarto motivo para rir é que, mesmo acabando com o crédito direcionado, a campanha de Marina Silva fala em aumentar o Minha Casa Minha Vida para 4,4 milhões. Quer nos fazer acreditar que será possivel cortar a principal fonte de recursos baratos e aumentar os gastos em 50%.

Essa é a verdadeira anedota: como todo governo com um programa onde as contas não fecham e os meios não concordam com os fins, seu destino é o fracasso. Mas aí, riem os banqueiros, os votos já foram contados e será tarde demais.

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Atualizado em 08.09.14

E o mensalão 1.0, onde fica?
por Ricardo Melo

Nascido em Minas Gerais, o mensalão 1.0 é o pai tucano de todos os mensalões reais ou imaginários

Sem prejuízo de investigações rigorosas, denúncias como a do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa devem ser vistas com cuidado. Primeiro, faltam provas cabais das acusações. As reportagens aludem a depoimentos que teriam sido dados, papéis que o país desconhece ou gravações do tipo daquela invocada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes que nunca apareceram.

Na opinião pública, denúncias de baciada como a de Costa costumam produzir um efeito de soma zero. Só para relembrar: a atual celeuma em torno da Petrobras começou com o caso da compra de uma refinaria em Pasadena, nos EUA.

Bem, como se viu, a compra foi chancelada por um conselho de administração do qual faziam parte, além da petista e hoje presidente Dilma Rousseff, gente como Fábio Barbosa, ex-banqueiro e hoje um dos vários presidentes da editora Abril; Jorge Gerdau, empresário graúdo do ramo da siderurgia; e Cláudio Haddad, fundador do grupo Garantia. Complicado, não?

Na área propriamente política, a salada aumenta. Segundo revelações anteriores e as agora atribuídas a Costa, a farra na Petrobras envolvia Eduardo Campos (PSB, hoje Marina Silva), parlamentares, governadores e ministros de PMDB, PT e PP e, é bom lembrar, políticos que apoiam o tucano Aécio Neves.

Um dos mais expostos desde o início é o “golden baby” Luiz Argôlo, deputado do Partido Solidariedade. Para quem esqueceu, a legenda é aliada do PSDB. Isso para não falar que, entre outras alianças, o mesmo PSDB faz dobradinha nas eleições para governador de São Paulo com o PSB de Campos e Marina.

Ou seja, poucos se salvam da lambança. E nem se tocou ainda na ferida do lado corruptor. Quem são as empreiteiras, as construtoras e os empresários envolvidos no suposto esquema denunciado por Costa? Aguarda-se ansiosamente a revelação (e a punição) de todos.

Por isso soam como ideias fora de lugar declarações do candidato tucano Aécio Neves, ao dizer que estamos diante “das mais graves denúncias da história recente”. O candidato, como é notório, adora um aeroporto. Tenta, agora, reviver o clima de República do Galeão.

Além das circunstâncias diferentes, faltam a ele a bagagem intelectual e a oratória de um Carlos Lacerda, que migrou para a direita e morreu no relento da política. Mesmo assim, Aécio ousou: “Está aí o mensalão 2: é o governo do PT patrocinando o assalto às nossas empresas públicas para a manutenção de seu projeto de poder.”

E o mensalão 1.0, nascido em Minas, pai tucano de todos os mensalões reais ou imaginários, onde é que fica? O tucano Eduardo Azeredo e seus companheiros fazem de tudo para alongar o processo até as calendas para prescrever condenações. Já o dito mensalão do PT acabou tal qual mula sem cabeça.

Para o Supremo Tribunal Federal de Joaquim Barbosa, havia um chefe de quadrilha, que, como foi decidido depois, não tinha quadrilha a dirigir. Fora o desejo deliberado do então presidente do STF de ignorar provas (o inquérito 2.747) que colocavam em xeque a acusação de uso de dinheiro público.

Tem-se, então, o seguinte: ao que tudo indica, a Petrobras precisa ser desinfetada, mas os insetos têm origem variada. Outro dado: durante o governo FHC, a Polícia Federal realizou 48 operações contra corrupção; já no governo Lula, houve mais de 1.270, resultando em mais de 1.500 presos.

Recentemente, o PT afastou um deputado envolvido com o doleiro Alberto Youssef, impediu a candidatura de um outro acusado de ligações com o grupo criminoso PCC, cortou na própria carne na investigação da roubalheira de impostos em São Paulo e assistiu à prisão de importantes militantes na Papuda.

Lembre-se que Youssef foi um dos grandes operadores do escândalo da privatização das teles no governo tucano, conforme nos refresca a memória o prefácio da reedição do livro “O Brasil Privatizado”, do jornalista Aloysio Biondi (Geração Editorial). Obra que, aliás, ajuda a entender que a diferença não está na permanência da corrupção. Mas na disposição de combatê-la.