A bandeira do meu partido

por Jorge Furtado
em 06 de outubro de 2014

Faz pouco mais de um mês que escrevi aqui um texto justificando meu voto em Dilma e comemorando a presença de Marina no segundo turno, que as pesquisas de então apontavam como certa:

“Se alguém me dissesse, em 2004 - quando o primeiro governo Lula sofria a oposição feroz de toda a mídia brasileira e tinha pouco ou nada para mostrar de resultados - que em dez anos o segundo turno da eleição presidencial seria disputado entre duas ex-ministras do governo Lula, uma pelo Partido dos Trabalhadores e uma pelo Partido Socialista Brasileiro, eu diria ao meu suposto interlocutor que a sua fé na democracia era um comovente delírio. (… ) Com a direita autêntica fora do jogo podemos, sem grandes riscos de voltar ao passado, debater o melhor caminho para seguir avançando.”

Parece que o delírio que eu e as pesquisas achamos possível, duas diferentes formas de avançar, provou-se só um delírio mesmo, a direita autêntica está de volta ao jogo e o risco de o país andar para trás é bastante real. O conservadorismo avançou na Câmara e no Senado e o enfrentamento, no segundo turno, se repete entre velhos conhecidos.

As pesquisas erraram muito, e erraram feio. E nem se pode acusar Ibope e Datafolha de má fé, de favorecer um lado ou outro, eles erraram muito para todos os lados, provaram que não são tendenciosos, são apenas incompetentes, melhor não levá-los muito a sério. Se os institutos disserem que o problema foi que eles não captaram as mudanças de última hora passarão um atestado de que só servem na última hora, ou nem isso.

A boca de urna do Ibope no Rio Grande do Sul apontou a vitória de Olívio para o senado por seis pontos, e ele perdeu por um. Padilha, em São Paulo, passou a campanha fora do noticiário porque Datafolha e Ibope o mantiveram sempre com um dígito de votos, e ele fez mais de 20. (Se Padilha já estivesse com 20 no início da campanha, quem sabe até onde ele poderia ter crescido?) Crivela, que vai enfrentar Pesão no segundo turno, aparecia sempre em terceiro nas pesquisas, que nunca apontaram a chance de Rui Costa ganhar no primeiro turno na Bahia, e ele ganhou.

Com a credibilidade das pesquisas em baixa e os grandes veículos apoiando mais ou menos abertamente a oposição, é provável que a pauta da corrupção, tecla quase única desta nova UDN, volte ao cartaz com mais do mesmo: vazamentos de delações premiadas, adjetivos e capas escandalosas, muitos pontos de exclamação e maiúsculas nas manchetes. Em breve saberemos mais sobre a cidade de Cláudio, em Minas Gerais, sobre os preços de refinarias em Pernambuco e sobre as relações do doleiro Youssef com políticos e com as construtoras, felizmente as leis agora punem também os corruptores. (1)

Os interesses das grandes petroleiras americanas no Brasil, pelos quais o PSDB, em passado recente, já prometeu lutar, (2), os interesses dos grandes rentistas do mercado, a quem juros e metas de inflação interessam bem mais que níveis de emprego e renda, migraram rapidamente de Marina para Aécio, parece que imaginaram ser melhor o certo (PSDB/DEM/PTB) que o duvidoso (Rede/PSB). Com tempo de programa maior e debates mais sensatos, espera-se que Aécio esclareça agora quais são as medidas “impopulares” que prometeu, a um seleto grupo de empresários, tomar logo no seu primeiro ano de governo. (3) E defenda o desempenho do governo tucano de FHC em comparação com o governo petista de Lula e Dilma.

Não sei se Marina vai apoiar um dos candidatos neste segundo turno, ela negou apoio a Serra contra Dilma em 2010, mas Aécio não é Serra e o mundo, a Dilma e a Marina mudaram muito desde 2010. Marina, ao tentar tomar os votos de Aécio neste primeiro turno, moveu-se para a direita: prometeu independência para o Banco Central, prometeu reduzir o papel dos bancos públicos, falou mais em inflação e menos em emprego e recuou em questões como a da criminalização da homofobia. No segundo turno ela pode ir definitivamente para a direita, apoiando a turma que combateu durante 35 anos de boa militância política, mas acho mais provável que ela queira preservar seu passado.

Também duvido que o Partido Socialista Brasileiro apoie a candidatura de Aécio, não imagino que um partido com 67 anos de luta pelo socialismo possa assim, de uma hora para outra, unir-se à direita contra um projeto de governo popular, um governo que tem como sua maior marca a distribuição de renda e a inclusão social, e do qual o PSB tomou parte desde seu início até a véspera desta eleição.

Neste momento em que o conservadorismo avança no país, em que a direita, com sua intolerância, egoísmo e preconceitos, perde a vergonha de dizer seu nome, é possível até perder a eleição - o que, espero, não aconteça - mas não é possível abrir mão dos ideais de solidariedade, fraternidade e justiça que a esquerda representa mas, como bem lembrou Jorge Mautner, não são propriedade de qualquer partido, já foram cantadas por muitos, inclusive pelo PSDB, num passado distante.

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Jorge Mautner, A Bandeira do meu partido.

A bandeira do meu partido
é vermelha de um sonho antigo
cor da hora que se levanta
levanta agora, levanta aurora!

Leva a esperança, minha bandeira
tu és criança a vida inteira
toda vermelha, sem uma listra
minha bandeira que é socialista!

Estandarte puro, da nova era
que todo mundo espera, espera
coração lindo, no céu flutuando
te amo sorrindo, te amo cantando!

Mas a bandeira do meu Partido
vem entrelaçada com outra bandeira
a mais bela, a primeira
verde-amarela, a bandeira brasileira.

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Haja o que houver, ganhe quem ganhe, o próximo governo pode melhorar ou piorar, quanto a isso há dúvidas.

Mas uma coisa é certa: a oposição vai melhorar muito.

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(1)

CONSÓRCIO DA CAMARGO CORRÊA REPASSOU R$ 37,7 MI A DOLEIRO, DIZ PF
Mario Cesar Carvalho
02/10/2014 17h50

Um consórcio liderado pela Camargo Corrêa repassou R$ 37,7 milhões a empresas fantasmas do doleiro Alberto Youssef usando como intermediária as empresas Sanko Sider e Sanko Serviços, aponta laudo da Polícia Federal que faz parte de um processo da Operação Lava Jato.

O consórcio, chamado CNCC, pagou R$ 38,75 milhões à Sanko por serviços em que há “fortes indícios” de que não foram prestados. A maior parte desse valor (R$ 37,73 milhões) foi repassada à MO Consultoria e GFD Investimentos, duas empresas controladas pelo doleiro.

As transferências foram feitas entre outubro de 2010 e dezembro de 2013.

(2) As promessas do PSDB às petroleiras americanas, na Folha:

PETROLEIRAS FORAM CONTRA NOVAS REGRAS PARA PRÉ-SAL
Juliana Rocha (Brasília) e Catia Seabra (São Paulo)

Segundo telegrama do WikiLeaks, Serra prometeu alterar regras caso vencesse

Assessor do tucano na campanha confirma que candidato era contrário à mudança do marco regulatório do petróleo

As petroleiras americanas não queriam a mudança no marco de exploração de petróleo no pré-sal que o governo aprovou no Congresso, e uma delas ouviu do então pré-candidato favorito à Presidência, José Serra (PSDB), a promessa de que a regra seria alterada caso ele vencesse.

É isso que mostra telegrama diplomático dos EUA, de dezembro de 2009, obtido pelo site WikiLeaks (www.wikileaks.ch). A organização teve acesso a milhares de despachos. A Folha e outras seis publicações têm acesso antecipado à divulgação no site do WikiLeaks.

“Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, disse Serra a Patricia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron, segundo relato do telegrama.

(3) Aécio e sua promessa de medidas impopulares:
http://www.youtube.com/watch?v=r7RdFW4fXhY