Trabalhos de amor perdidos

por Jorge Furtado
em 24 de abril de 2016

A comédia “Trabalhos de amor perdidos” (Love’s Labour’s Lost, 1595) é um dos raros argumentos originais de Shakespeare, não há fonte conhecida (os outros são Sonhos de Uma Noite de Verão e A Tempestade). “Trabalhos…” não foi um sucesso, raramente é montada, poucas vezes filmada, isso apesar de ser, como a definiu Harold Bloom, “um banquete da linguagem, um espetáculo pirotécnico em que Shakespeare parece buscar os limites de sua destreza verbal e descobre que estes não mais existem”. Harold Bloom é fã da peça, a coloca entre as “altas comédias” de Shakespeare: “Todos temos nossas predileções pessoais, na literatura e na vida, e nenhuma peça shakespeariana proporciona-me deleite tão verdadeiro como “Trabalhos de amor perdidos”.

Se a peça é uma comédia, um argumento original escrito pelo maior dos autores, com um texto brilhante, grandes poemas, ótimas piadas e muito erotismo, por que não foi um sucesso? A resposta que parece óbvia é exatamente o desenvolvimento da trama, a estrutura dramática da peça, criada por Shakespeare e nunca repetida, nem por ele mesmo.

Quando a peça inicia, todos os personagens estão relativamente bem, felizes, saudáveis, são ricos e cultos, não há conflitos sérios à vista, e então… Então as coisas começam a melhorar, melhorar muito, não param de melhorar. Isso quase até o fim, quando pioram muito, e bruscamente. E a peça termina.

“Trabalhos…”, de fato, não é uma comédia, apesar de ser muito engraçada. A comédia, por definição, vai do ruim pro melhor, ao contrário da tragédia. (Dante chamou sua descrição da viagem do homem até Deus de “Divina comédia”, mas não espere boas piadas na história.) “Trabalhos” só melhora, desde o início, e então piora muito, é o contrário do happy end, quem quer pagar para ver isso?

Shakespeare logo na sua comédia seguinte, “Sonhos de uma noite de verão”, (Midsummer night’s dream, 1596), uma de suas obras primas e grande sucessos, com incontáveis montagens, versões e filmagens, curvou-se sabiamente ante a força de um final feliz, quem não quer? Nas comédias, pagamos para ver uma história diferente da vida, onde o final é invariavelmente o mesmo.

O enredo da peça: o Rei de Navarra convoca três nobres amigos - Biron, Longaville e Dumain - para ficar um ano em reclusão completa, apenas estudando, sem contato com mulheres. Biron, o protagonista da peça, argumenta que estudar é importante mas viver e namorar também é. De qualquer maneira, a promessa de reclusão, estudos e castidade dura pouquíssimo. A belíssima Rosalina, nada recatada e nem um pouco do lar, além de Princesa da França, chega com suas lindas e nada recatadas nem do lar damas de honra e a peça vira um festim de poesia, sedução e algum erotismo explícito, além de ótimas piadas, como sempre. A peça ainda serve de pretexto para William exercitar sua admirável poesia, grande parte é escrita em versos.

Logo na cena 1 do primeiro ato, Biron apresenta ao Rei a sua tese de que estudar não é tudo na vida, tento uma tradução, mantendo as rimas:

BIRON
Os padrinhos da luz no firmamento
listam nome e endereço das estrelas,
mas não têm nas noites claras mais alento
que viajantes felizes só por vê-las.
Saber nomes é saber tão só da fama.
Dê o nome da estrela quem a chama.

REI
Sábias palavras contra a sabedoria!

xxx

Este é original, tente a sua tradução.

BIRON
These earthly godfathers of heaven’s lights
That give a name to every fixed star
Have no more profit of their shining nights
Than those that walk and wot not what they are.
Too much to know is to know nought but fame;
And every godfather can give a name.

FERDINAND
How well he’s read, to reason against reading!

xxx

A sua tradução:

BIRON

REI