Câmara ou câmera?

(enviado para a Lista Cinema Brasil em 25/03/1998, vinte anos atrás)

A palavra vem do grego ‘kamára’, que originalmente significava ‘abóbada’ e mais tarde passou a designar ‘quarto, compartimento’ - provavelmente porque o compartimento central das construções gregas costumava possuir uma abóbada, algum arquiteto me ajude.

De qualquer maneira, o termo chegou ao latim de duas formas: ‘camera’ (clássico) ou ‘camara’ (vulgar). Como se sabe, o portugês e outras línguas neolatinas derivam em grande parte do latim vulgar.

A palavra em português, desde o século XIII, portanto bem antes do descobrimento do Brasil, é ‘câmara’, significando ‘quarto, compartimento’ - ou seja, tanto uma peça da casa quanto o local onde se reúnem os deputados, os comerciantes (câmara do comércio) - e, por extensão, a própria reunião dos deputados, etc. Vale também para a ‘camara obscura’ (quarto escuro) latina, origem das câmaras fotográficas, de cinema, de vídeo, digitais, etc., e que em português virou ‘câmara escura’, mais tarde apenas ‘câmara’.

Acontece que o inglês, que não é uma língua latina, adotou o termo a partir do latim clássico (‘camera’), e não do vulgar. E são os ingleses e norte-americanos que fabricam boa parte das câmaras foto e cinematográficas que nós brasileiros compramos neste século.

A palavra ‘câmera’, portanto, pode ser considerada uma ‘invenção brasileira’, mas a partir do inglês ‘camera’, portanto um anglicismo. O Aurélio aceita ‘câmera’ como variação de ‘câmara’. Mas o Dicionário Etimológico de Antônio Geraldo da Cunha explica melhor: ‘câmera’ seria aceitável apenas no sentido de máquina, por influência do inglês. Não faria sentido falar em ‘câmera dos deputados’, já que nós ainda não compramos nenhum deputado ‘made in USA’. Até pelo contrário.

Já eu prefiro ‘câmara’ nos dois sentidos. Tem mais a ver com a história da nossa língua, e eu gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões, Machado de Assis, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, José Saramago, Luis Fernando Verissimo, Chico Buarque… E Caetano Veloso, claro.