Comício da Candelária

(mensagem para a Lista PT em 05/04/1998, vinte anos atrás)

Em novembro de 1989, deu-se o acaso de eu estar no Rio de Janeiro quando Lula ia fazer seu último comício no primeiro turno, na Candelária. Adiei minha volta a Porto Alegre pra assistir. E, até hoje, não lembro de ter participado de um comício tão emocionante.

Era na época em que os comícios do PT começavam com o hino nacional e terminavam com a Internacional Socialista. Eu não conhecia a letra (que aliás não é grande coisa), mas quem não se emociona com aquela melodia?

Lembro do Gonzaguinha (que morreu pouco depois, num acidente de carro) cantando uma música que eu já tinha ouvido dezenas de vezes, mas cujo profundo significado político eu sequer desconfiava:

viver
e não ter a vergonha de ser feliz
cantar e cantar e cantar
a beleza de ser um eterno aprendiz
eu sei
que a vida podia ser bem melhor
e será
mas isso não impede que eu repita:
é bonita, é bonita e é bonita

Mas o que eu mais me lembro é do discurso do candidato a vice, o então senador José Paulo Bisol - de quem na época eu tinha algumas desconfianças políticas, por ter sido eleito pelo PMDB, ter sido fundador do PSDB e logo em seguida ter ido para o PSB. Pois o cara me ganhou pro resto da vida com um discurso que eu vou tentar reproduzir aqui, puxando pela memória:

“Eu sou candidato a vice na chapa de um torneiro mecânico. Eu, um advogado com especialização no exterior. Eu, um juiz togado. Eu, que escrevi vários livros sobre direito, que publiquei meus discursos como senador e que na juventude cometi alguns livros de poesia. Eu agora sou candidato a vice na chapa de um torneiro mecânico. Um torneiro mecânico que, alguns anos atrás, surgiu como uma liderança local, corporativa, de seus companheiros torneiros mecânicos. Mas que, na luta dos torneiros mecânicos, soube aos poucos perceber que a sua luta era a luta de todo o país, e soube superar o corporativismo dos torneiros mecânicos e adquirir a consciência e a cara desse país, e se tornar a maior liderança viva desse país, e a mais perfeita encarnação da esperança de um país de trabalhadores e desempregados e estudantes e advogados e médicos e prostitutas e camponeses e engenheiros e torneiros mecânicos. E é por isso que eu digo que, em toda a minha vida, de advogado, de jornalista, de juiz, de poeta e de professor, eu nunca tive uma honra maior do que a honra de ter sido convidado para ser vice de um torneiro mecânico. Lula é o Brasil!”

Faz tempo isso. Mas de vez em quando é bom lembrar por que o PT foi construído, e por que o Lula se tornou a sua maior liderança.