I don't believe in Beatles?

(mensagem para Caio Amon em 02/05/1998, vinte anos atrás)

Acho que o “God”, do John Lennon, e principalmente a frase sobre não acreditar mais “nem nos Beatles”, precisam ser entendidos como circunstância. Olha só.

John Lennon começou nos Beatles com 20 anos, fez um sucesso absurdo, ficou milionário da noite pro dia, viveu “os melhores anos da vida dele” como se fosse um pedaço de quatro, uma fatia de pizza: de repente ele tinha quase 30 anos, era um adulto, casado, descasado, com um filho, mas quase que ainda não tinha acordado da adolescência: ele não conhecia o filho, ele mal tinha vivido com a primeira mulher, na verdade ele tinha passado 10 anos vivendo em quartos de hotel - sempre com os mesmos caras com quem ele tinha pensado em montar uma banda 10 anos antes. Depois de uma certa idade, ninguém agüenta isso.

Aí ele se apaixona perdidamente por uma mulher mais velha que ele, percebe que já não tem mais muito a ver com os parceiros com quem ele vem trabalhando há tanto tempo, que cada um evoluiu pra um lado diferente (e pode ter certeza que, dos quatro, ele era o que tinha a mais clara percepção disso) e aí os próprios parceiros começam a fazer pressão pra que ele opte entre “o grupo” e “a mulher”. Ora, eles que vão plantar batatas!

Claro que pra nós, que queríamos mais discos dos Beatles pra saber pra onde iria evoluir aquela coisa toda, torcíamos pra que eles ficassem juntos, e que a japonesa fosse mandada de volta “to where she once belonged”. Mas não foi assim, e o John sabia que a coisa não podia ser assim. Por isso, quando ele precisa afirmar que não acredita em mais nada, os Beatles têm que estar no meio, ou melhor: na ponta, no fim de tudo. Se tu pensares bem, vais ver que ele só listou todas aquelas coisas em que ele não acreditava (inclusive Elvis e Zimmermann!) pra, no final, dizer que não acreditava nos Beatles. Ele tá dizendo aquilo é pra nós: se vocês concordam comigo até aqui, vão ter que dar o passo adiante também: esqueçam os Beatles, o sonho acabou, vamos construir outros sonhos. O sonho dele, no caso, era o que ele estava querendo construir com a Yoko. E que, por sua vez, acabou quando o Michael Chapman… bom, mas isso é outra história.