Aportuguesamentos

(enviado para a Lista Cinema Brasil em 11/05/1998, vinte anos atrás)

Dez anos atrás, quando eu, a Ana e o Jorge estávamos pesquisando pra um roteiro sobre a Copa do Mundo de 1950, ouvimos a transmissão radiofônica completa da final, em que o Brasil perdeu pro Uruguai por 2x1. O que mais nos chamou a atenção foi a quantidade de termos em inglês usados pelos narradores (ou melhor, “speakers”). Os “players” davam “kick-off” pra começar o “match”, o “center-forward” era obrigado a fazer um “rush” pra não ficar “off-side”, os “backs” cometiam “fouls”, os “wings” batiam os “corners” e assim por diante. Hoje isso parece ridículo, mas na época era a maneira como se falava (e pensava) sobre futebol no Brasil.

Foi no início dos anos 60 que isso começou a mudar, com os termos em inglês sendo progressivamente substituídos pelos que nós conhecemos até hoje. E não acredito que seja coincidência o fato de este ter sido exatamente o momento em que o Brasil conquistou seus dois primeiros títulos mundiais.

Tentando generalizar, a tese seria a seguinte:

Tchan-tchan-tchan-tchan…

Usar os termos de um determinado campo do conhecimento (futebol, roteiro cinematográfico, informática ou o que seja) em sua versão “original” (ou seja, na língua em que eles foram criados) ou em versão “adaptada” (isto é, na língua em que eu normalmente falo) não tem a ver com a minha vontade de “esclarecer significados ou criar mais confusão”, e menos ainda com o meu “patriotismo” (o último refúgio dos canalhas, como dizia Samuel Johnson), e sim com a minha (nossa, coletiva) auto-estima nesse campo.

Será que foi assim mesmo? A partir do momento em que o povo brasileiro passou a acreditar na qualidade do seu futebol, foi também perdendo o “complexo coletivo de inferioridade” que o induzia a pensar o futebol em inglês - e os jornalistas esportivos souberam registrar isso em seu trabalho. Chegando ao ponto de criar palavras com a carga poética de, por exemplo, “escanteio” - hoje utilizada não apenas em futebol: “a mulher chutou o marido pra escanteio”.

Se for assim, quantos Ursos de Ouro, quantos Oscars ou quantos milhões de ingressos vendidos em nosso próprio mercado faltam pra que a gente comece a pensar o cinema brasileiro em português?