August Landmesser, um homem na multidão

Não tinha ideia de que a legislação nazista alemã que instituiu o racismo como instrumento de estado tinha sido inteiramente baseada na legislação do Estados Unidos. Fiquei sabendo disso em “Casta: as origens de nosso mal estar”, o extraordinário livro da jornalista americana Isabel Wilkerson. Ela mergulhou em pesquisas sobre o racismo e o sistema de casta em seu próprio país, na Alemanha nazista e na Índia, e quase todo tempo você lê pensando no Brasil.

Wilkerson abre seu livro contando a história de August Landmesser, “o homem na multidão”. August, um trabalhador portuário ariano, fora filiado ao Partido Nazista, mas apaixonou-se por uma judia e, por causa das Leis de Nuremberg, sua paixão se tornara ilegal. Eles estavam proibidos de casar ou ter relações sexuais. Para os novos líderes alemães, amava uma mulher de uma “sub-raça”.

“É uma foto tirada em 1936 em Hamburgo, na Alemanha, com cem ou mais operários portuários, todos olhando na direção do sol. Eles fazem uma saudação em uníssono, com o braço direito rigidamente estendido declarando lealdade ao Fuher. Olhando com atenção, podemos ver um homem no canto superior direito que se diferencia dos outros. Seu rosto tem uma expressão calma, mas inflexível. (…) Ele está cercado de concidadãos que caíram sob o domínio dos nazistas. Só este homem se recusa a fazer a saudação. É o único que se levanta contra a corrente”.

Wilkerson analisa, com ótimas histórias e muitas informações, o modo como as sociedades contemporâneas se estruturam em castas, cuja existência é um projeto econômico, de poder. Um livro fundamental para entender o Brasil, onde o racismo é a marca nacional, e dá notícias diárias: 76% dos mortos pela polícia são negros.

Sobre a história de August Landmesser, este herói na multidão, Wilkerson conclui:

“Queremos crer que tomaríamos o caminho mais difícil de se postar contra a injustiça, em defesa dos párias. Mas, a menos que todos nós dispuséssemos a vencer nossos medos, a suportar o desconforto e a ridicularização, a sofrer o escárnio de parentes, vizinhos, amigos e colegas de trabalho, a cair em desgraça entre talvez todos os nossos conhecidos, a enfrentar a exclusão e até a expulsão, seria numericamente impossível, humanamente impossível, quer todos nós fôssemos aquele homem. Qual o custo de sê-lo em qualquer época? Qual o custo de sê-lo agora?”

Casta: as origens do nosso mal-estar, de Isabel Wilkerson. Tradução de Denise Bottmann e Carlos Alberto Medeiros. Editora Zahar, 2021, Rio de Janeiro.