Antônimos ao contrário

Germano Weirich, Giba Assis Brasil, Guaraci Fraga e Fernando Cogan, a seção gaúcha da LIGA ÁGIL

Alguns meses atrás, entre o pessoal da Liga Ágil, surgiu a dúvida, que se tornou um desafio: existe alguma palavra em português que, lida ao contrário, seja o seu antônimo?

Liga Ágil, pra quem não sabe, é a associação brasileira de palindromistas, que foi oficialmente criada em São Paulo em agosto de 2023, mas que já há três anos se encontra virtualmente toda semana no Twitter (ou X, ou seja lá o que for) pra fazer o que quase ninguém além deles tem habilidade ou disposição ou paciência pra fazer: palíndromos. Sim, palíndromos, aquelas expressões ou frases que podem ser lidas tanto pra um lado quanto pro outro. Como por exemplo: LIGA ÁGIL.

Aqui cabem dois esclarecimentos, pra quem não tem a manha palindrômica. Primeiro: ler ou escrever ao contrário (oirátnoc oa revercse) não é fazer palíndromos, embora essa habilidade possa ser útil pra quem se dispõe a construí-los. Segundo: uma palavra que lida ao contrário dá outra palavra também não é um palíndromo, embora esse par de palavras possa ser usado para construir um palíndromo. Exemplo clássico: ‘Roma’ é ‘amor’ ao contrário, e o parzinho pode formar o que o Ministério do Turismo da Itália definiria como um palíndromo fofo: ROMA ME TEM AMOR.

Fábio Aristimunho Vargas, atual presidente da Liga Ágil, em seu seminal livro “Arara rara, ensaio sobre a palindromia” (ed. Unila, 2021) estabelece a denominação de BIFRONTES a este par de palavras ou expressões em que um é o inverso do outro. Dois bifrontes colocados lado a lado formam um palíndromo; ‘Raul’ e ‘luar’ são bifrontes, ‘luar’ é bifronte de ‘Raul’, RAUL E LUAR é um palíndromo.

Então, voltando à questão que apareceu lá por setembro do ano passado entre os palindromistas da rede: existe em português algum par de palavras que sejam ao mesmo tempo bifrontes e antônimos?

Ana Lia, autora do excelente livro de palíndromos “A diva não tá à toa na vida” (Editora Carótide, 2023), fez duas tentativas: ‘ataca / acata’ e ‘o azar / razão’

Comentando com o Fraga, meu parceiro de café, palindromia e outras cinefilias, chegamos à conclusão de que a primeira proposta da Lia é bastante aceitável, já que ‘atacar’ é agredir, ofender, enquanto ‘acatar’ é respeitar, cumprir. Já a segunda é muito interessante, se pensarmos em ‘azar’ como acaso e ‘razão’ como aquilo que provoca um acontecimento, portanto o contrário do acaso - mas o artigo definido, inserido ali pra acertar a simetria, acaba por desfazê-la: ‘o azar’ seria antônimo de ‘a razão’, e aí já não seriam bifrontes.

É difícil achar no dicionário algum outro exemplo. Parece haver muito poucas palavras na língua portuguesa, ou em qualquer outra língua, que cumpram exatamente essa complexa tarefa de ser o inverso de seu antônimo, ou o contrário de seu bifronte. Mas, antes de pedir a conta, eu e o Fraga lembramos que a gente sempre pode inventar palavras assim, desde que a definição seja esperta e a pronúncia, razoável - ao contrário de OMINOTNA, que é ruim de dizer.

Mas, trabalhando um pouco, algumas dessas criações até podem figurar numa primeira tentativa de um pequeno dicionário de ominotnas (que seja). Por exemplo:

Aicrêni é o que coloca em movimento os seres estacionados e interrompe tudo que se move.

Aigolopa é um texto escrito para assassinar a reputação de alguém.

Atsopa é a atitude de quem não quer arriscar.

Espilce é o período em que o sol e a lua brilham, por não estarem encobertos um pelo outro, nem pela sombra da Terra.

Gábria é um equipamento automotivo que, em caso de acidente, joga o passageiro contra o vidro da frente.

Laicoseder é uma tecnologia para melhorar a comunicação entre as pessoas.

Medro é bagunça, ou recusa a obedecer.

Odotem é fazer para descobrir como faz.

Ocitore é o que te faz perder o tesão.

Olucatepse é uma coisa sem nenhum interesse.

Omsilatipac é isso mesmo que você está pensando.

Otudirê é um fracasso de crítica, assim como Ralupop é um fracasso de público. Omissirev é um fracasso de público e crítica.

Razilanoicar é demorar intencionalmente pra gastar mais e ter menos resultado.

Sued existe, assim como Leoniapap.

Zadrom é o humor inocente, que não machuca.

Omordnilap (que deveria ficar por último, independentemente da ordem alfabética) é uma palavra que lida ao contrário é outra palavra.

Mas ainda tem o etiut, que é um texto que não cabe em 280 toques.