ANTES DO FILME ESTRANGEIRO, CURTA

Giba Assis Brasil
Publicado no jornal Última Cena nº 1
junho/1986


O filme de curta metragem, por ser mais barato, exigir menos esforço de produção e menos fôlego no domínio da linguagem, é um excelente espaço para o surgimento de novos realizadores, novas equipes, novos centros de produção. Pode se tornar inclusive o ponto central do processo de renovação/ oxigenação de todo o sistema cinematográfico, impedindo que ele se cristalize em formas e nomes de relativo sucesso. Mas, para que isso aconteça, é preciso que os curtas cheguem até o público, e que o público se manifeste a respeito da qualidade dos curtas.

Há mais de vinte anos existe legislação a respeito. Mas a primeira tentativa concreta de criação de um sistema nacional de exibição do curta foi com a lei nº 6281, de 1975, que previa: “Nos programas de que constar filme estrangeiro de longa metragem, será estabelecida a inclusão de filme nacional de curta metragem de natureza cultural, técnica, científica ou informativa…” Com isto, criava-se uma reserva de mercado para o curta: o início das sessões de filmes estrangeiros. Criava-se uma forma indireta de pagamento aos curtas que conseguiam exibição: 5% da bilheteria de cada sessão eram divididos entre o exibidor, o distribuidor e o produtor do curta. E pretendia-se criar, no público, o hábito de assistir e apreciar o curta-metragem.

Mas, não tocando no mecanismo de distribuição-exibição, não havia como garantir que fossem mostrados os melhores curtas produzidos, ou aqueles que poderiam ter melhor receptividade junto ao público. O pequeno percentual da bilheteria não viabilizava a realização de novos filmes, não ressarcia os (sempre crescentes) custos de produção e, na prática, não garantia nem mesmo a sobrevivência dos realizadores. Contrariamente ao que determinava a lei, muitos curtas foram vendidos aos distribuidores, por uma ninharia. O realizador abria mão doe seu percentual, em troca da garantia de que o filme seria exibido. Isto até o momento em que os distribuidores passaram a produzir ou co-produzir os seus próprios curtas, ocupando o mercado com filmes de baixíssimo custo (e qualidade), retendo os 5% e forçando o público a se posicionar - e com razão - contra a “lei do curta”. Afinal, chegar cedo ao cinema significava ver grandes picaretagens: chatíssimos documentários sobre faróis ou cidades históricas, métodos para deixar de fumar, mal-disfarçados comerciais de marcas de automóvel e uma interminável série de artesãos nordestinos. Tudo dentro dos amplos limites da “natureza cultural, técnica, científica ou informativa”. Enquanto isso, dezenas de excelentes curtas-metragens, ganhadores de festivais, renovadores de linguagem, experiências de realização de “contos cinematográficos” atulhavam as prateleiras da Embrafilme, à espera de distribuição.

Os exibidores, donos dos cinemas, também eram prejudicados no final das contas: em muitos casos, o público ficava tão indignado com a má qualidade (e a repetição) dos curtas que terminava quebrando cadeiras, rasgando estofamentos, queimando tapetes. Chegaram a propor um acordo: pagariam o percentual devido ao curta, sem exibi-lo. Absurdo, já que toda essa legislação existe em primeiro lugar para garantir um espaço de exibição do curta-metragem, e só subsidiariamente para pagar as exibições.

A resolução 103 do Concine, de abril de 1984, veio para mudar a “lei do curta”. A partir de então, só receberiam o Certificado de Reserva de Mercado (CRM) os curtas aprovados por uma comissão rotativa formada por pessoas ligadas à área, até um máximo de 21 filmes por trimestre. Os filmes aprovados receberiam, em adiantado, um prêmio teoricamente equivalente ao valor de suas exibições em todo o país (hoje fixado em cerca de 80 mil cruzados, ou 60% do custo de um curta de orçamento médio). Um percentual da bilheteria (atualmente 1,6%) de toda sessão de longa-metragem estrangeiro em cidades com mais de 100 mil habitantes reverteria para um fundo administrado pelo Concine, e que seria encarregado de pagar os prêmios aos novos curtas aprovados.

Bonito. Até parece que funciona. Mas, de lá pra cá, 104 curtas receberam o tal CRM e praticamente nenhum foi exibido. Os cinemas continuam mostrando os velhos curtas aprovados antes da resolução 103, ou então simplesmente não mostrando curta nenhum. As cópias dos filmes premiados estão agora nas prateleiras do Concine, e nenhum distribuidor se dispõe a fazê-los chegar aos cinemas. Há 709 cinemas em cidades com mais de 100 mil habitantes, mas pouco mais de um terço deles estão pagando o percentual de bilheteria do curta. O Concine não quer fiscalizar o cumprimento da lei com rigor enquanto não houver um mecanismo viável de distribuição dos curtas. A Embrafilme se recusa a distribuí-los se não houver garantias de fiscalização. Um Grupo de Trabalho, formado por realizadores de curtas-metragens, Concine e Embrafilme, reúne-se semanalmente no Rio de Janeiro, desde o último Festival de Gramado, estudando formas de viabilizar o sistema como um todo, o mais rápido possível. Ao mesmo tempo, estuda-se uma campanha de recuperação da imagem do curta, já que o grande público, alheio a quase tudo isso, parece apenas estar aliviado por não precisar mais passar por “pequenas sessões de tortura” cada vez que ia ao cinema.

Ao contrário, bem ao contrário do público que assistiu aos últimos festivais de cinema no país. Esses garantem que muitos dos melhores filmes brasileiros da atualidade têm menos de quinze minutos.